Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química?
A avaliação neuropsicológica mostra-se uma ferramenta importante na identificação dos comprometimentos cognitivos decorrentes do uso ou abuso de substâncias.
*Por Adriana Moraes
Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química?
Quem irá responder essas e outras questões sobre o tema, é a psicóloga Dra. Priscila Previato de Almeida, especialista em avaliação neuropsicológica, que atua no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas) e na Clínica Alamedas.
Neuropsicologia
A neuropsicologia é a área encarregada de estudar a relação entre o cérebro e comportamento cognitivo, sensorial, motor, emocional e social do indivíduo [1].
Ao lado de outras áreas do conhecimento neurocientífico, tais como a neuroimagem, a neurologia e a psiquiatria, a neuropsicologia tem se empenhado no estudo da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre esses aspectos e o funcionamento cerebral.
Dependência Química e a Avaliação Neuropsicológica
A dependência química pode ser entendida como uma alteração cerebral provocada pela ação direta da droga nas diversas regiões cerebrais.
O consumo de substâncias psicoativas pode causar mudanças duradouras na estrutura e no funcionamento neuronal, que são a base das anormalidades comportamentais associadas à dependência. [2]
A avaliação neuropsicológica mostra-se uma ferramenta importante na identificação dos comprometimentos cognitivos decorrentes do uso ou abuso de substâncias.
A avaliação pode auxiliar no comportamento do diagnóstico e na compreensão da dificuldade de manutenção da abstinência; além disso, pode ajudar no tratamento e na orientação dos usuários de drogas. [3]
Acompanhe a entrevista:
Qual o objetivo da avaliação neuropsicológica?
A avaliação neuropsicológica tem como objetivo principal avaliar o funcionamento cognitivo do sujeito, estabelecendo relações entre o funcionamento cerebral e o comportamento.
Quais são os princípios básicos que caracterizam a avaliação neuropsicológica?
A avaliação neuropsicológica utiliza conhecimentos das várias áreas ligadas à neurociência, sendo uma prática específica do profissional psicólogo.
O profissional deve estar atento à história pregressa do paciente, colher dados sobre o desenvolvimento físico e mental, além de avaliar como se deu a progressão da condição existente e elaborar prognósticos.
Explique o que são testes neuropsicológicos e qual o critério para a escolha dos testes?
Os testes são ferramentas padronizadas que permitem ao profissional avaliar de maneira quantitativa as funções cognitivas, permitindo fazer comparações e inferências sobre o que está normal ou prejudicado no sujeito.
Os testes são escolhidos levando-se em consideração a idade, o grau de escolaridade e a queixa principal do paciente.
As reações provocadas pelas substâncias no cérebro ainda são motivos de investigação e controvérsias. Como é realizada a avaliação neuropsicológica em usuários de drogas?
A avaliação neuropsicológica em usuários de substâncias é um grande desafio.
Cada substância age de uma forma no sistema nervoso central, tem receptores específicos para cada uma delas, além de alterar o comportamento de acordo com essa ação específica.
O que se tem em comum é que todas as drogas agem direta ou indiretamente no sistema de recompensa cerebral, área envolvida com a busca de prazer, com papel central no mecanismo da dependência.
Portanto, precisamos considerar variáveis como tempo e frequência de uso, tipo de substância utilizada e a presença ou não de comorbidade psiquiátricas.
Outra questão importante refere-se ao tempo de abstinência e o quanto a substância demora para ser eliminada do corpo, como por exemplo, no caso da maconha, a qual fica depositada em tecido adiposo e permanece recirculando no organismo durante um tempo, mesmo após o sujeito ter interrompido o uso.
Quais são os principais prejuízos cognitivos no cérebro associados ao uso de álcool? De 01 exemplo de teste que possa identificar esses prejuízos.
Indivíduos dependentes de álcool tendem a apresentar alterações importantes, principalmente ligadas às funções de memória, atencionais e executivas, como por exemplo, na memória de trabalho, capacidade de aprendizagem, resolução de problemas e tomada de decisões.
Estas funções podem ser avaliadas por testes como o Rey Auditory Verbal Learning Test, DigitSpan, no caso da memória e aprendizagem; o Trail Making Test, que mede aspectos atencionais, e outros como Wisconsin CardSorting Test, Stroop Test, Iwoa Gambling Task para a avaliação de diversos aspectos do funcionamento executivo.
No desenho abaixo, identifique quais funções do cérebro são afetadas pelo uso de maconha e crack . Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química?
Existem receptores canabinóides em quase todo cérebro.
A maconha vai agir principalmente nas áreas cerebrais responsáveis pela coordenação, percepção do tempo e espaço, julgamento e memória, além de agir indiretamente no sistema de recompensa cerebral.
Já o crack, produz seus efeitos por se ligar ao transportador de dopamina, não permitindo que a dopamina liberada na fenda sináptica seja recaptada para dentro do neurônio, ocasionando o efeito euforizante da droga.
Age diretamente no sistema de recompensa, além de áreas como o córtex pré-frontal, responsável pelo julgamento, tomada de decisão, bem como áreas relacionadas com a memória e a atenção.
A avaliação neuropsicológica vai permitir o delineamento de um tratamento mais individualizado de acordo com tipo e o grau dos prejuízos cognitivos observados, contribuindo assim para uma maior eficácia do tratamento.
De que forma a neuropsicologia ajuda a identificar se o uso de drogas alterou o desempenho cognitivo do indivíduo ou se esses prejuízos existentes já o acompanhavam desde a infância?
Para responder essa pergunta é preciso fazer uma entrevista de anamnese detalhada, colher dados sobre o funcionamento pré-morbido deste paciente e de acordo com o resultado da avaliação, fazer inferências.
Existem funções que teoricamente não são afetadas por uma injúria no cérebro, pois seriam habilidades cristalizadas e resistentes a um possível declínio cognitivo. Um exemplo é o desempenho na tarefa de Vocabulário da Escala Wecshler de Inteligência.
Dra. Priscila, qual a importância da neuropsicologia na sua prática como psicóloga?
A neuropsicologia contribui para uma prática mais condizente com as capacidades reais de apreensão da técnica empregada para um paciente.
Por exemplo, a terapia cognitivo comportamental exige capacidades como julgamento e insight que estão prejudicadas em determinados momentos, seja pelo uso crônico de drogas ou por um episódio depressivo atual.
A abordagem do psicólogo deve considerar esses aspectos dentro de uma proposta terapêutica, o que vai melhorar a adesão deste paciente ao tratamento.
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Referências:
[1]http://www.fcmsantacasasp.edu.br/images/Arquivos_medicos/2009/54_3/vlm54n3_8.pdf
[2] O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro, Ronaldo Laranjeira (Orgs) 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2012.
[3] Neuropsicologia: teoria e prática/ Organizadores, Daniel Fuentes… [et al] – 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2014.